EDUCAÇÃO INFANTIL EM PAUTA

A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

 Jorge Larrosa, (2004, p.154)

Criança e infância em foco

É muito gostoso falar sobre experiências, principalmente na educação Infantil que sabemos ser regida por corpos em movimento, brincantes e exploradores, no entanto, não há como discorrer sobre a criança no contexto escolar, focando os processos de ensino, desenvolvimento e aprendizagem, como uma expressão do sensível, sem contextualizar historicamente esta infância, como apontam Fernandes e Kuhlmann Jr. (2004, p. 29), ao afirmar:

Os fatos relativos à evolução da infância, na pluralidade de suas configurações, inscrevem-se em contextos cujas variáveis delimitam perfis diferenciados. A infância é um discurso histórico cuja significação está consignada ao seu contexto e as variáveis de contexto que o definem.

Precisamos conhecer nossas crianças. Parar para refletir sobre aspectos importantes nesse seu processo de desenvolvimento. Então vamos lá!!!!

Hoje iniciaremos uma linda jornada de aprendizagens que compartilharemos ao longo de algumas edições. Partiremos da Idade Média, quando o conceito de infância é descoberto na Europa até chegarmos ao Brasil e a história da criança brasileira.                 

Nem sempre as crianças tiveram infância, pois para viver a experiência da infância é necessário que a criança viva num contexto social que compreenda suas reais necessidades e potencialidades e lhe ofereça condições de viver a infância.  Vamos entender um pouco mais esse percurso da história das crianças e o surgimento do conceito de infância?

Durante muitos séculos, mais especificamente até o século XVIII, a criança em seus primeiros anos de vida foi desconsiderada como um ser pensante e detentor de direitos. Até o século XII, por exemplo, a concepção de infância era inexistente. Foi apenas no século XVII que, no contexto europeu, surgiu a preocupação com a educação das crianças (Ariès, 1981).

Há, sim, de se questionar, como afirma Del Priore (2015), sobre as condições vividas pela criança, como ela era tratada, de que forma era o seu lugar na sociedade, como essa criança passou de uma realidade de anonimato, sem sentimentos a “reizinho do lar” e, na atualidade, a “ditador”? Como passou de criança obediente, numa relação de respeito e dependência do adulto, à tão aclamada autonomia, que inibiu os limites necessários à sua educação?

E no Brasil, como se passou a história da criança?               

Sendo a criança concebida, nos dias contemporâneos, como sujeito histórico, social e de direitos, que pensa, que sente, que aprende, deve-se considerar sua história de vida, suas vivências, seus sentimentos, mas também, faz-se essencial iluminar os olhos no retrovisor da história, entre os meandros da infância, para uma melhor compreensão do tempo presente.

Dessa forma, ao retomar os conceitos de infância, evidencia – se que esta concepção foi historicamente construída, desde o adulto em miniatura na Idade Média até chegar à criança cidadã de direitos na contemporaneidade.

Um pouco de história

Pesquisas baseadas nos estudos do precursor da história da infância, Philippe Ariès (1914-1984), contribuíram significativamente para a ampliação do olhar sobre as crianças – trabalho pioneiro na análise e concepção da infância por autores reconhecidos por suas pesquisas sobre o tema, a citar Del Priore (Cf. 2015) e Freitas (Cf. 2001).

Ariès (1981) discorre com olhar sensível sobre documentos escritos e iconográficos da Idade Média que comprovam realidades cotidianas vividas pela família e pela infância da classe mais abastada desse período. O autor ressalta, também, que a construção do sentimento de amor pelas crianças foi, por muitos séculos, desprezado e inexistente.

Até o século XII não havia uma concepção de infância – estudos mostram que este período da vida ficou ao anonimato. Até mesmo, as representações gráficas relacionadas à iconografia que ilustravam as crianças, com suas particularidades, não eram conhecidas. Segundo Ariès (1981), nos séculos XIII, XIV e XV, as crianças nobres na faixa etária dos sete anos, período em que, provavelmente, eram desmamadas, participavam ativamente da vida social dos adultos jovens ou velhos nas festas, jogos e trabalhos. A diferença entre ambos somente era percebida pelo tamanho dos pequenos, pois mesmo os trajes eram muito parecidos. A existência era densa e coletiva entre ambos, adultos e crianças.

No século XVII, segundo Ariès (Cf. 1981), o cuidado dispensado às crianças passou a inspirar sentimentos novos, pois a nova preocupação com a educação aos poucos iria se instalar no seio da sociedade. A família, nesse momento, deixou de ser uma instituição de direito privado com deveres estritos à transmissão de bens e de nome e passou assumir uma função moral e espiritual. Os pais assumiram a preocupação com a educação de seus filhos contrapondo-se à ideia de somente colocá-los no mundo e deixá-los soltos. Desde a mais tenra idade seria honroso encaminhá-los à escola “ onde eles se tornarão os artificies de sua própria fortuna, os ornamentos da pátria, da família e dos amigos”. (ARIÈS, 1981, p.277).

Mediante a realidade exposta, notou-se que a família e a escola afastaram a criança do convívio na sociedade e com os adultos. Nesse período, a escola limitou a infância, outrora livre, a um contexto de regime disciplinar muito rigoroso. Fato mais intensamente notado nos séculos XVIII e XIX, quando à criança resta o enclausuramento total do internato. Em lugar da liberdade que gozava foi-lhe reservada a prisão.

Cabe lembrar, no entanto, que esse rigor foi traduzido por um amor excessivo caracterizado pela sociedade do século XVIII que acabava de se reorganizar em torno da criança, contrariamente à antiga indiferença dos séculos já mencionados em que as crianças participavam da vida adulta sem, no entanto, serem considerados os estágios de sua infância e suas reais necessidades. Isso se confirma no fato de que por volta do século XII era provável que não houvesse lugar para a infância, uma vez que a arte medieval a desconhecia, e o que predominava não eram as expressões de crianças com suas particularidades e sim a reprodução de “homens de tamanho reduzido”. (ARIÈS, 1981, p.51). Evidenciou-se, dessa forma, nos séculos XII a XV a presença de uma concepção de criança homenzinho ou adulto em miniatura que participava da vida adulta ativamente, porém, privada das fases da infância e suas particularidades.

Gostaram das aprendizagens até aqui? Na próxima edição falaremos sobre a história da criança do Brasil e como esse contexto reflete nas práticas da escola de Educação Infantil.

Não percam! Até mais!

REFERÊNCIAS

ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. 2.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981.

DEL PRIORE, M. (Org.). História das crianças no Brasil. 7ª edição. São Paulo: Editora Contexto, 2015.

FREITAS, M. C. (Org). História social da infância no Brasil. 3 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2001.

KUHLMANN Jr., M. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 2004.

LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte. Autêntica, 2004.