Uma pesquisa realizada em março de 2023, pelo jornal O Estado de São Paulo, revelou por meio do “Mapa da Felicidade” que a espiritualidade está em alta na cultura secularizada. Mas, afinal, o que isso quer dizer? E, ademais, como afeta os envolvidos na educação (professores, colaboradores, estudantes e suas famílias), o convívio social nas várias instâncias e o bem-estar individual e coletivo?
O índice de felicidade mais alto foi associado ao fator espiritualidade com 7,3 em uma escala de 0 a 10, seguido de satisfação com a vida, família, comunidade, saúde, lazer e relacionamentos. No fim da lista ficaram trabalho, segurança, finanças e governo. Excluindo eventuais questionamentos da metodologia e das possíveis deduções dos resultados, fica claro que os mais de 5.700 respondentes de 71 municípios paulistas apontaram para alguns aspectos de um fenômeno contemporâneo.
Espiritualidade X Religiosidade
Primeiramente, a diferenciação crescente entre espiritualidade e religiosidade. Em outras palavras, nem toda expressão religiosa tem sido vista como espiritualidade propriamente dita, e sim, como “empreendimento religioso de natureza comercial, cultural, política”, como alguém já definiu. Ou seja, nem tudo que fala de Deus e de práticas religiosas (cultos, eventos etc.) são essencialmente promotores de espiritualidade sadia e estruturante. Há muita gente usando o nome de Deus em vão e a face religiosa da verdadeira espiritualidade está sendo frequentemente caricaturizada. É preciso ressaltar que o termo genérico espiritualidade não é necessariamente associado a religiões organizadas e seus processos formais (liturgias, ritos, sacerdotes, calendários etc.), e sim, com palavras e atitudes, tais como: alteridade, transcendência, significado existencial, propósito de vida, respeito, compaixão etc.
Certamente, a maneira como cada um vê esses aspectos do fenômeno da espiritualidade contemporânea, seja positiva ou negativamente, dependerá da compreensão da própria dimensão espiritual da existência individual. Se por um lado, espiritualidade como construto psicossocial e existencial não é necessariamente religioso, por outro lado, ela tampouco não exclui crenças e práticas religiosas, inclusive em uma ambiência coletiva e institucional de uma comunidade de fé ou denominação religiosa.
Para mim e para muitos, inclusive instituições confessionais como o Mackenzie, fica claro que a espiritualidade que emana da conversa de Jesus com a mulher samaritana, descrita no evangelho de João, capítulo 4, é iniciada com um pedido improvável e inesperado feito por ele (“Dá-me de beber!” – 4:7), no qual o Criador de todas as coisas, demonstra a vulnerabilidade de sua natureza humana assumida na encarnação, além de ser uma interação caracterizada pela compaixão, paciência e sabedoria divinas, como se verá no próprio diálogo.
No entanto, a espiritualidade cristã não é uma espiritualidade vazia de sentido específico, pois, ao fim do diálogo de Jesus com a mulher samaritana, diante de sua apresentação como o único que poderia dar a água da vida capaz de jorrar para vida eterna, assim como do reconhecimento da mulher de que Jesus era “profeta”. Vê-se que o assunto caminha do espiritual para o religioso, inclusive das diferenças religiosas entre judeus e samaritanos.
Onde está nossa adoração, está nossa felicidade
Entre as divergências entre samaritanos e judeus, o lugar de adoração era o principal. Os primeiros adoravam ali mesmo perto de Sicar, onde Jesus e a samaritana se encontraram, enquanto os últimos entendiam que o templo em Jerusalém era o lugar do encontro com Deus, onde se deveriam cantar louvores e oferecer sacrifícios.
Jesus afirmou que “vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade […]” (4:21) e que espiritualidade proposta por ele àquela mulher não é restrita ao lugar religioso, porque espiritualidade não se resume a religiosidade. Porém, fica claro que a espiritualidade a ser cultivada pela criatura, seja a mulher, seja qualquer ser humano, sempre é de iniciativa do criador (“são estes que o Pai procura para seus adoradores”- 4:23), o que costumeiramente se chama na teologia como “revelação”.
Além disso, essa espiritualidade é prescrita pela Lei do Senhor, a qual reflete seus atributos e a sua vontade para o ser humano (verdadeiros adoradores adoram “em espírito e em verdade” – 4:24) e não como expressão irrefreável da criatividade religiosa humana. E, finalmente, essa espiritualidade é intermediada pelo próprio Jesus, como o único mediador entre Deus e o ser humano, visto que a expressão “a hora já chegou” claramente é relacionada com a nova aliança por meio do Filho de Deus, que veio, viveu, morreu e ressuscitou na hora devida, segundo o plano divino.
A fala de Jesus propondo uma nova vida àquela mulher é justamente a fonte inesgotável simbolizada pela “água viva que jorra para a eternidade”, a qual os participantes da pesquisa demonstraram ser o anelo mais profundo da alma humana por felicidade, bem-estar e sentido para a existência humana.
E você? Como você desenvolve a sua espiritualidade?
Espiritualidade certamente inclui momentos de reflexão e meditação à luz da mensagem da revelação de Deus, seja na natureza, e principalmente, pelas Escrituras Sagradas que registram a história da redenção na pessoa do Senhor Jesus Cristo, o salvador.
A principal pessoa, com quem cada um deve interagir espiritualmente, é o próprio Jesus, o caminho do conhecimento de Deus, de si mesmo e de todas as relações pessoais de cada um. Ele revelou-se e interagiu com a mulher samaritana, assim como deseja revelar-se e interagir com cada um que o buscar com sinceridade.
No entanto, apesar de ser essencialmente individual, mas não é individualista e ensimesmada. Vive-se na convivência da família, de amigos e da comunidade de uma fé compartilhada. Vive-se no serviço abnegado ao próximo e na contribuição transformadora da sociedade.
Portanto, são essas três dimensões, a espiritualidade íntima, você e Deus, a espiritualidade comunitária, você e os seus relacionamentos, e a espiritualidade do serviço, aquilo que você contribui para o bem comum, sem necessariamente receber qualquer benefício próprio aparente.